Monday, August 05, 2013

O Balão,
Donald Barthelme
(vo: The Balloon, em: Unspeakable Practices, Unnatural Acts, 1968)

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O Balão, começando num ponto na rua Quatorze, cuja exata locação eu não posso revelar, expandiu todo em direção ao norte uma noite, enquanto as pessoas estavam dormindo, até alcançar o Parque. Ali, eu o parei; de manhã cedo as bordas mais ao norte pendiam sobre o Plaza; o movimento pendendo livre era frívolo e gentil. Mas experimentando uma irritação leve ao parar, mesmo que para proteger as árvores, e vendo nenhuma razão para que o balão não pudesse expandir pra cima, sobre as partes da cidade que ele já estava cobrindo, até o “espaço aéreo” a ser encontrado lá, eu pedi aos engenheiros que cuidassem disso. Essa expansão ocorreu ao longo da manhã, um suspirar leve imperceptível de gás através das válvulas. O balão então cobriu quarenta e cinco blocos norte-sul e uma área irregular leste-oeste, chegando a seis blocos atravessando a cidade em qualquer dos lados da avenida, em alguns lugares. Essa era a situação, então.
Mas é errado falar de “situações”, implicando conjuntos de circunstâncias levando a alguma resolução, algum escape de tensão; não haviam situações, apenas o balão pendurado lá - cinzas e marrons pesados mudos na sua maior parte, contrastando com amarelos leves e avelã. Uma falta deliberada de acabamento, melhorado por instalação habilidosa, dava aa superfície uma qualidade rude, esquecida; pesos deslizando por dentro, cuidadosamente ajustados, ancoravam a massa grande, multiforme em vários pontos. Agora nós tivemos uma enchente de ideias originais em todas mídias, trabalhos de beleza singular tanto quanto marcas significativas na história da inflação, mas naquele momento tinha apenas aquele balão, concreto particular, pendurado lá.
Tiveram reações. Algumas pessoas acharam o balão “interessante”. Como resposta isso parecia inadequado aa imensidade do balão, a brusquidão de sua aparência sobre a cidade; por outro lado, na ausência de histeria ou outra ansiedade socialmente induzida, deve ser julgada como calma, “madura”. Havia uma certa quantidade de argumentação inicial sobre o “sentido” do balão, isso arrefeceu, porque aprendemos a não insistir em significados, e eles são hoje até raramente procurados , exceto em casos envolvendo os fenômenos mais simples, mais seguros. Havia-se concordado que já que o sentido do balão não podia jamais ser sabido absolutamente, discussões extensas seriam a troco de nada, ou menos propositadas que as atividades daqueles que, por exemplo, penduravam lanternas de papel verdes e azuis do lado quente e cinza de baixo, em algumas ruas, ou aproveitavam a ocasião para escrever mensagens na sua superfície, anunciando a sua disponibilidade para a performance de atos inaturais, ou a disponibilidade de conhecidos.
Crianças ousadas pulavam, especialmente naqueles pontos onde o balão flutuava perto de um prédio, de modo que o intervalo entre balão e prédio fosse uma questão de poucos centímetros, ou pontos onde o balão de fato fazia contato, exercendo uma pressão bem de leve contra o lado de um prédio, de modo que balão e prédio pareciam uma unidade. A superfície de cima era estruturada de forma a apresentar uma “paisagem”, pequenos vales tanto quanto ligeiros montinhos, ou acúmulos; uma vez em cima do balão, um passeio era possível, ou até uma viagem, de um lugar pra outro. Havia prazer em ser capaz de correr uma inclinação abaixo, daí a inclinação oposta acima, as duas gentilmente seccionadas, ou em dar um pulo de um lado pro outro. Quicar era possível, por causa da pneumaticidade da superfície, e até cair, se esse era o seu desejo. Que todos esses movimentos variados, tanto quanto outros, estivessem dentro de suas possibilidades, ao experimentar o lado de “cima” do balão, era extremamente excitante para crianças, acostumados com a pele plana, dura da cidade. Mas o propósito do balão não era divertir crianças.
Também o número de gente, crianças e adultos, que tiraram vantagem das oportunidades descritas não era tão largo quanto poderia ter sido: uma certa timidez, falta de confiança no balão, era vista. Havia, ainda mais, alguma hostilidade. Porque havíamos escondido as bombas, que alimentavam hélio pro seu interior, e porque a superfície era tão vasta que as autoridades não conseguiam determinar o ponto de entrada - isto é, o ponto no qual o gás era injetado - um grau de frustração era evidenciado por aqueles oficiais da cidade em cujas províncias esse tipo de manifestação geralmente caía. A aparente falta de propósito do balão era envergonhante (assim como era o mero fato dele estar “lá”). Tivéssemos pintado, em letras grandes, “TESTES DE LABORATÓRIOS PROVAM” ou “18% MAIS EFETIVO” nos lados do balão, essa dificuldade teria sido evitada. Mas eu não consegui tolerar fazer isso. No todo, esses oficiais eram notavelmente tolerantes, considerando as dimensões da anomalia, essa tolerância sendo o resultado de, primeiro, testes secretos sendo conduzidos a noite que os convenceram de que pouco ou nada poderia ser feito na direção de remover ou destruir o balão, e, segundo, um calor público que surgiu (não descolorido de toques da hostilidade já mencionada) em direção ao balão, de cidadões normais.
Como um único balão pode representar uma vida inteira de pensar sobre balões, então cada cidadão expressava, na atitude que escolhia, um complexo de atitudes. Um homem podia considerar que o balão tinha a ver com a noção arruinava, como na frase O grande balão arruinava o que de outra forma seria o céu claro e radiante de Manhattan. Isto é, o balão era, na visão desse homem, uma impostura, algo inferior ao céu que estava lá anteriormente, algo interposto entre as pessoas e o seu “céu”. Mas na realidade era janeiro, o céu tava escuro e feio; não era um céu para o qual dava de olhar pra cima, deitado nas suas costas na rua, com prazer, a não ser que prazer, pra você, procedesse de ter sido ameaçado, de ter sido mal utilizado. E o lado de baixo do balão era um prazer de se olhar, tínhamos cuidado disso, cinzas e marrons mudos na maior parte, contrastado com avelã e amarelos leves, esquecidos. Então, enquanto esse homem pensava arruinava, ainda havia uma mistura de cognição prazerosa no seu pensamento, brigando com a percepcão original.
Outro homem, por outro lado, poderia ver o balão como se fosse parte de um sistema de recompensas não esperadas, como quando um empregador entra e diz, “Aqui, Henry, tome esse pacote de dinheiro que eu embrulhei pra você, porque você esteve se saindo tão bem nesse negócio aqui, e eu admiro muito a maneira com a qual você machuca as tulipas, sem cujos machucados o nosso departamento não seria um sucesso, ou pelo menos não o sucesso que ele é.” Para esse homem o balão pode ser uma experiência “músculo e ginga” brilhantemente heróica, mesmo que uma experiência mal compreendida.
Outro homem pode dizer “Sem o exemplo de ------, é duvidoso que ------ existiria hoje na sua forma presente”, e encontrar muitos pra concordar com ele, ou pra discordar dele. Ideias de “inchaço” e “flutuagem” foram introduzidas, assim como conceitos de sonho e responsabilidade. Outros engajaram-se em fatasias marcadamente detalhadas tendo a ver com um desejo ou de se perder no balão, ou de engoli-lo. O caráter privado desses desejos, ou suas origens, profundamente enterradas e desconhecidas, era tal que deles não se falava, no entanto há evidência de que eles eram bem comuns. Era também argumentado que o que era importante era o que você sentia quando ficava de pé debaixo do balão, algumas pessoas diziam que se sentiam protegidas, aquecidas, como nunca antes, enquanto inimigos do balão sentiam, ou reportavam sentir, constrangimento, um sentimento “pesado”.
Opinião crítica se dividia:

“enchentes monstruosas”
“harpa”
XXXXXX “ certos contrastes com porções mais escuras”
“alegria interna”
“cantos largos, quadrados”
“eleticismo conservador que até hoje tem governado
o design de balões”

:::::::::::::::::: “vigor anormal”

“trechos quentes, preguiçosos”
“Terá a unidade sido sacrificada por uma qualidade esparramada?”
“Quelle catastrophe!”
“laricando”

As pessoas começaram, de uma maneira curiosa, a se localizar em relação a aspectos do balão: “Eu estarei naquele lugar onde ele mergulha abaixo na rua Quarenta e Sete quase até a calçada, perto da Casa Alamo Chile,” ou, “Porque não vamos ficar no topo, pegar um ar, e talvez andar um pouco, onde ele forma uma linha apertada, curvando com a façada da Galeria de Arte Moderna-” Intersecções marginais ofereciam entradas dentro de uma certa duração de tempo, assim como “trechos quentes, preguiçosos” nos quais... Mas é errado falar de “intersecções marginais”, cada intersecção era crucial, nenhuma podia ser ignorada (como se, andando lá, você não pudesse encontrar alguém capaz de virar sua atenção, num relance, de velhos exercícios para novos exercícios, riscos e escalações). Cada intersecção era crucial, encontro de balão e prédio, encontro de balão e homem, encontro de balão e balão.
Era sugerido que o que era admirado sobre o balão era finalmente isso: que ele não era limitado, ou definido. As vezes uma protuberância, bolha, ou sub-seção carregava todo pro leste até o rio num mapa, como visto num quartel-general remoto da luta. Então aquela parte seria, como se diz, jogada de volta, ou se retrairia até novas disposições; a manhã seguinte, aquela parte teria feito outra sortie, ou desaparecido de todo. Essa habilidade do balão de trocar sua forma, de mudar, era muito agradável, especialmente para pessoas cujas vidas eram bem rigidamente padronadas, pessoas para quem mudança, embora desejável, não estava disponível. O balão, durante os vinte e dois dias de sua existência, oferecia a possibilidade, em sua randomicidade, de extravio do senso de si, em contradistinção com a grelha de caminhos precisos, retangulares debaixo dos nossos pés. A quantidade de treinamento especializado atualmente necessária, e a consequente desejabilidade de comprometimentos de longo prazo, foram ocasionados pela importância constantemente crescente de maquinaria complexa, em virtualmente todo tipo de operação; enquanto essa tendência cresce, mais e mais gente vai se virar, em inadequação deslumbrada, em direção a soluções para as quais o balão pode ficar como protótipo, ou “rascunho tosco”.
 Eu encontrei você debaixo do balão, em ocasião do seu retorno da Noruega; você perguntou se era meu, eu disse que era. O balão, eu disse, é uma revelação autobiográfica espontânea , tendo a ver com o desconforto que eu senti na sua ausência, e com privação sexual, mas agora que a sua visita ao Bergen foi terminada, não é mais necessário ou apropriado. Remoção do balão era fácil, caminhões trailer carregaram pra longe a fábrica esvaziada, que agora é armazenada em West Virginia, esperando algum outro tempo de infelicidade, algum tempo, talvez, em que estivermos bravos um com o outro.